Avançado

02 junho 2010

* Questionamento de conceitos da gramática normativa

Questionamento de conceitos da gramática normativa

O texto a seguir questiona algumas definições que encontramos na gramática normativa, as quais aprendemos desde os primeiros anos do ensino fundamental. Será que o que estudamos sobre “sujeito”, “predicado”, “objeto direto”, “objeto indireto” etc. realmente faz sentido quando analisamos um pouco mais a estrutura da língua portuguesa?

As questõs apresentadas aqui foram feitas por Aldo Bizzocchi, que é doutor em linguística pela USP e autor de Léxico e Ideologia na Europa Ocidental (Annablume) e Anatomia da Cultura (Palas Athena) http://www.aldobizzocchi.com.br/. Fonte: Revista Língua, Edição 55/ maio de 2010, Editora Segmento.

A ciência estabelece que funções antes consideradas universais, como "sujeito" e "predicado", são mais arbitrárias do que se imaginava.

Você já deve ter ouvido estas definições muitas vezes: "Sujeito é aquele de quem se diz algo." "Predicado é aquilo que se diz do sujeito." "Objeto direto é aquele que sofre a ação." "Objeto indireto é aquele que se beneficia da ação."


É possível até que você use essas definições quando bate aquela dúvida sobre concordância ou regência, não é? No entanto, apesar de correntes, elas não têm fundamento científico, afinal são muito anteriores ao nascimento da ciência da linguagem (mais precisamente, 2 mil anos anteriores!). Além disso, por remontarem à Grécia antiga, são definições muito mais filosóficas do que linguísticas e absolutamente centradas na língua grega, sem qualquer consideração pela estrutura de outras línguas.


Pode-se dizer que foram uma tentativa legítima (principalmente considerando-se a época em que foi feita) de explicar fatos linguísticos, mas que está longe de ter sido bem-sucedida.


O fato é que a análise de línguas empreendida na primeira metade do século 20, aliada à coleta de dados e ao estudo comparado de um número extraordinário de idiomas de várias partes do mundo, resultou na derrubada de muitos dogmas da gramática.Um exemplo foi a sintaxe translativa de Lucien Tesnière, publicada em 1959 no livro Éléments de Syntaxe Structurale, a qual demonstrou que o único termo essencial da oração nas línguas ocidentais é o verbo.


Essencial

Podemos ter oração sem sujeito, sem objetos, sem adjuntos, só não podemos ter oração sem verbo. Até frases nominais como "Bom dia!", "Socorro!" e "Cada macaco no seu galho", são, na verdade, orações com verbo oculto: "(Desejo-lhe um) bom dia!", "(Tragam) socorro!", "Cada macaco (deve ficar) no seu galho". Consequentemente, todos os nomes - sujeito, objeto direto, objeto indireto, agente da passiva - nada mais são do que elementos dependentes do verbo e, portanto, subordinados a ele.


Tesnière demonstrou que não há hierarquia entre os nomes (que ele chamou de actantes). Por isso, eles podem mesmo ser intercambiados em termos de função. Como resultado, se o sujeito não tem nada de especial em relação aos demais complementos do verbo, não faz sentido dividir a oração em sujeito e predicado. Ou, dito de outra maneira, o predicado não existe!


Mas voltemos às definições da gramática tradicional. Ainda que não haja nada que coloque o sujeito em posição privilegiada em face dos demais complementos, não há como negar que há algo a distinguir o sujeito do objeto direto, este do objeto indireto e dos adjuntos adverbiais, e assim em diante. Mas esse algo não é de natureza semântica, mas gramatical. Por isso, não faz sentido dizer que sujeito é "aquele de quem se fala" ou "o autor da ação". Se não, vejamos.


Distinções

Primeiro, nem todo verbo exprime ação. Afinal, que ação é expressa por "ser", "estar", "ter", "dormir"? Em segundo lugar, o sujeito só pratica a ação se o verbo estiver na voz ativa; na passiva, o sujeito sofre a ação. Aliás, há verbos supostamente ativos que não expressam ação realizada, mas sofrida: é o bebê que pratica a "ação" de nascer ou é a mãe que pratica a ação de parir? (Não por acaso, em inglês, "nascer" é to be born, literalmente, "ser parido".) Logo, essa definição de sujeito é, no mínimo, capenga.


Quanto à ideia de que o sujeito é aquele sobre quem se declara algo, Marcos Bagno, da Universidade de Brasília, questiona: na oração "Nesta sala cabem trinta pessoas", o sujeito é "trinta pessoas", mas não se declara algo sobre as pessoas e sim sobre a sala.


Tudo isso ocorre porque os conceitos de sujeito e objeto dados pela gramática foram tomados de empréstimo da filosofia: para os gregos, há uma realidade objetiva (em si, independente de qualquer julgamento) e uma subjetiva (tal qual vista por nós).


Nesse sentido, o objeto é a realidade natural, inerte, impotente e inconsciente, e o sujeito é o ser humano, único capaz de tomar consciência da realidade ao redor e de agir sobre ela. Daí a ideia de que sujeito é quem pratica ações e objeto, quem as sofre.


Empréstimos

Mas, e a distinção entre objeto direto e indireto? Nem sempre o objeto direto "sofre" diretamente a ação e nem o indireto "se beneficia" indiretamente dela. Em "Preciso de você" ou "Ele trabalha no novo livro", "você" e "livro" são alvos e não beneficiários da ação.


A relação entre as funções sintáticas e o conteúdo semântico das palavras que as exercem é tão arbitrária que em latim se dizia docere puerum grammaticam, "Ensinar gramática ao menino" (literalmente, "Ensinar o menino gramática"). Ou seja, tanto "menino" quanto "gramática" iam para o acusativo, que é o caso do objeto direto.Efetivamente, a determinação de quem será o sujeito, o objeto direto, o objeto indireto e, às vezes, até o adjunto adverbial é resultado exclusivo da chamada regência verbal. Tanto que é possível dizer a mesma coisa com verbos sinônimos, mas de regência diferente. Quando isso acontece, o sujeito pode virar objeto, este pode virar adjunto, e por aí vai.


"João deu um livro a Pedro" significa aproximadamente o mesmo que "João presenteou Pedro com um livro". Só que, no primeiro caso, "livro" é objeto direto e "Pedro" objeto indireto; no segundo, ocorre o inverso.


Compare agora "Quero informá-lo disso" e "Quero informar-lhe isso"; "Entrar na sala" e "Adentrar a sala"; "Sair da sala" e "Deixar a sala"; "Nesta sala cabem trinta pessoas" e "Esta sala comporta trinta pessoas"; "Assistir ao programa" e "Ver o programa"; "Aspirar a um cargo" e "Almejar um cargo"; "Perguntar algo a alguém" e "Interrogar alguém sobre algo"; "Chegar até a praia" e "Alcançar a praia"; "Penetrar a faca no pão" e "Penetrar o pão com a faca".


Definições

Em todos esses exemplos, o esquema "autor-alvo-beneficiário" é o mesmo, o que muda é a regência do verbo. Assim, as únicas definições (mais ou menos) consistentes que podemos dar de sujeito, objeto direto e objeto indireto são as seguintes:- Sujeito é o actante que, em algumas línguas, vem geralmente antes do verbo na oração afirmativa (não necessariamente na interrogativa) e concorda em número e pessoa com ele (há línguas em que concorda também em gênero), enquanto, em outras, ocupa o caso nominativo ou ergativo.


- Objeto direto é o actante que vem após o verbo e não é regido por preposição (exceto no caso do objeto direto preposicionado: "amar a Deus sobre todas as coisas") ou que ocorre no caso acusativo.


- Objeto indireto é o actante que vem após o verbo e é regido por preposição ou ocorre no caso dativo.


Essa dificuldade de estabelecer com clareza o papel das funções sintáticas para além do simples capricho das línguas fez com que vários pesquisadores se interessassem em estudar o significado profundo dos enunciados, a despeito de sua estrutura sintática de superfície. Foi assim que surgiu a sintaxe-semântica de Bernard Pottier, que estabelece casos (nominativo, ergativo, acusativo, dativo, ablativo, benefactivo, etc.) não como funções sintáticas, até porque a maioria dos idiomas não tem declinação casual, mas como funções semânticas.


Em outra vertente, Noam Chomsky, Jerry Fodor e François Rastier têm-se ocupado da chamada "gramática universal", isto é, da estrutura hiperprofunda da linguagem, que seria comum a todas as línguas por estar ligada aos próprios processos mentais do ser humano. Essa é uma das áreas de pesquisa em que eu também atuo. (Para o leitor interessado, tenho um artigo sobre o assunto intitulado "Como conhecemos a realidade", publicado na revista Scientific American Brasil, nº 82, de março de 2009).Aliás, pode parecer que a própria sintaxe gerativa de Chomsky, primeiro passo para a construção da gramática universal, mantém a divisão sujeito x predicado, na medida em que divide a oração (O) em sintagma nominal (SN) e sintagma verbal (SV), sendo este formado por um verbo (V) e outro sintagma nominal: O = SN + SV[V +SN]. Ou seja, a oração seria um sujeito mais um conjunto formado por verbo e complementos.


Convencional

Na verdade, a sintaxe de Chomsky baseia-se não numa dicotomia sujeito x predicado e sim na estrutura tema x rema (ou tópico x comentário). Para que a comunicação seja produtiva, toda mensagem precisa conter alguma informação comum ao emissor e ao receptor e alguma informação inédita para o receptor. É isso que dá informatividade e, portanto, utilidade à mensagem. Essa estrutura, que parte de um consenso em direção a uma especificidade, é universal, pois constitui a própria razão de ser da comunicação humana.


Convencional

Você só compreenderá a afirmação "A inflação subiu no primeiro trimestre" se souber o que é inflação e, ainda, que estou falando da inflação brasileira e do primeiro trimestre deste ano. Por outro lado, essa mensagem só lhe será útil se você ainda não sabe que a inflação subiu. Por isso, uma mensagem totalmente "nova", quando um não sabe sequer do que o outro está falando, é incompreensível, e uma mensagem totalmente "velha" é redundante e inútil.


Em resumo, aquelas funções que aprendemos nas enfadonhas aulas de análise sintática são de natureza meramente convencional. É por isso que a fala popular simplifica as regências, elimina preposições desnecessárias e diz "assistir televisão", "atender o telefone", "responder a pergunta", "visar um objetivo", e assim por diante. E também põe na voz passiva verbos que, segundo a gramática normativa, são transitivos indiretos: "O programa foi assistido por milhares de pessoas", "Todas as perguntas foram respondidas", "O objetivo visado por nós é.".

Produção de texto: coesão e coerência

Para que um texto se apresente de modo organizado e harmônico, é preciso que ele contenha dois fatores de textualidade (conjunto de fatores responsáveis pela constituição de um texto): a coesão e a coerência.


Coesão é a articulação dos elementos linguísticos (palavras e frases) que formam o texto. As relações coesivas se estabelecem por meio de cinco procedimentos básicos:


* Referência: determinadas expressões (como os pronomes) só podem ser entendidas se relacionadas a outros elementos do texto.
* Substituição: uma expressão é utilizada no lugar de outra.
* Elipse: um termo é omitido, mas pode ser recuperado pelo contexto.
* Conexão: conjunções coordenativas, conjunções subordinativas, advérbios e locuções adverbiais estabelecem determinadas relações de sentido entre as sentenças, ligando-as umas as outras.
* Coesão lexical: repetição de elementos com a mesma referência, como sinônimos e nomes genéricos. Exemplo: a moça/a jovem (sinônimo); as rosas/as flores (nome genérico).


Coerência é a articulação das ideias no texto, de modo a promover a continuidade do sentido. Ela envolve:


* Conhecimento prévio: todo texto exige do leitor determinado repertório cultural para poder ser entendido. Dessa forma, o receptor (ou seja, o leitor) do texto busca o sentido dele a partir do seu próprio conhecimento de mundo. Da mesma forma, um texto só pode ser escrito se seu autor tiver um bom conhecimento do tema do qual tratará (isso só é conseguido através de muita leitura).


* Referências: mecanismos usados pelo autor para se referir a uma personagem ou situação importante, que aparece diversas vezes no texto. A identificação desses mecanismos também revela as intenções do autor.


Os pronomes relativos são utilizados para substituir um nome que já foi citado anteriormente no texto (e com ele se relaciona), no processo de conexão de sentenças.


Os paralelismos são construções que apresentam a mesma estrutura gramatical, ou seja: a) se o texto é iniciado com o verbo no pretérito perfeito, é bem possível que esse tempo verbal deva dominar o resto do texto; b) se, ao escrever um email, por exemplo, o remetente chama o destinatário de “você”, as outras formas pronominais referentes ao receptor do texto deverá estar na terceira pessoa do singular também. Exemplo: b) Estou com muitas saudades de você. Acho-a linda (escrever “Acho-te linda” seria uma inadequação, pois o “te” é segunda pessoa do singular, sendo que “você” é terceira pessoa do singular).

Referências:

1) Guia do Estudante - Português - Vestibular + Enem 2011. Editora Abril.

Quase todo o texto foi retirado da página 55, com algumas modificações feitas por mim, para tentar deixá-lo mais didático.